28/11/2024 | Por: G1
(Foto: Divulgação internet)
Medidas compõem pacote enviado
pelo governo Lula ao Congresso para tentar manter de pé o arcabouço fiscal.
Mesmo aquilo que não mexe diretamente no bolso pode ajudar a controlar as
expectativas do mercado.
A equipe econômica do
governo Lula detalhou nesta terça-feira (26) as propostas para
limitar o aumento do salário mínimo, para mudar algumas regras das
aposentadorias dos militares e alterar as regras de acesso ao abono salarial,
entre outros.
A expectativa do Executivo é de
economizar R$ 70 bilhões com as medidas nos próximos dois anos. Para ter
validade, entretanto, ainda precisam passar pelo crivo do Congresso
Nacional.
Como contraponto ao pacote de
cortes, o governo também propôs isentar do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5
mil por mês, promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Atualmente, o limite de isenção é de R$ 2.824 (até dois salários
mínimos).
O objetivo do governo, com a
proposta de cortes de gastos, é tentar manter de pé o chamado arcabouço fiscal,
a norma para as contas públicas aprovada no ano passado.
Sem uma regra crível para as
contas públicas, explicam economistas, haverá um aumento maior ainda da dívida
pública, com impacto nos juros bancários para consumo e investimentos, e tensão
nos mercados — com pressão sobre o dólar.
Com maior confiança no controle
dos gastos públicos e manutenção das regras para as contas públicas nos
próximos anos, por sua vez, há uma tendência de pressão menor sobre o dólar e
sobre a inflação, fatores que influenciam diretamente a vida de cada brasileiro.
Salário mínimo
No caso do salário mínimo, o
governo propôs mudar o formato de correção, limitando, assim, o aumento real,
ou seja, acima da inflação, a ser concedido nos próximos anos.
Pelo formato adotado
atualmente, o reajuste do salário corresponde à soma de dois índices:
a inflação medida pelo Índice
Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) em 12 meses até novembro – como prevê a
Constituição; cujo valor está estimado em 4,66% pelo governo.
o índice de crescimento real do
Produto Interno Bruto (PIB) dos dois anos anteriores. No caso de 2025, vale o
PIB de 2023 -- que cresceu 2,9%.
Com as mudanças propostas
pelo governo, se aprovadas, o salário mínimo passaria a ter um aumento real,
acima da inflação, com base no PIB de dois anos. Mas limitado a 2,5% ao ano.
Com isso, seria dada a inflação
do ano anterior, em 12 meses até novembro, acrescido do PIB de dois anos antes
— mas com um teto de 2,5% (mesmo que o PIB de dois anos antes tenha crescido
mais do que isso).
Esses 2,5% são, justamente, o
limite máximo para os gastos do governo dentro do arcabouço fiscal, a regra
para as contas públicas aprovada em 2023.
Levando em conta as mudanças, o
trabalhador, assim como os aposentados e as pessoas que recebem o Benefício de
Prestação Continuada (BPC), de natureza assistencial, deixarão de receber
R$ 6 no salário do mês e também no décimo terceiro (quem tem direito), em 2025.
Com a nova proposta para o
salário mínimo, o governo deixará de pagar em aposentadorias e benefícios
sociais cerca de R$ 2 bilhões em 2025. Isso porque, de acordo com cálculos do
governo, a cada R$ 1 de aumento do salário mínimo cria-se uma despesa de aproximadamente
R$ 392 milhões.
De acordo com nota técnica
divulgada em dezembro do ano passado, e atualizada em janeiro de 2024 pelo
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o
salário mínimo serve de referência para 59,3 milhões de pessoas no Brasil.
Isenção de até R$ 5 mil no IR
Entre as propostas do pacote,
está o aumento do limite de isenção do Imposto de Renda das Pessoas Físicas dos
atuais R$ 2.824 (dois salários mínimos) para até R$ 5 mil.
Promessa de campanha de Lula, o
tema não constou na proposta de orçamento de 2025, encaminhada no fim de agosto
ao Congresso Nacional pela área econômica.
O tributo é recolhido na fonte,
ou seja, descontado do salário. Posteriormente, o contribuinte pode ter parte
do valor restituído, ou pagar mais IR, por meio de sua declaração anual de
ajuste.
De acordo com a Associação
Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco
Nacional), a ampliação da faixa de isenção do IR custaria de R$ 45 bilhões
a R$ 50 bilhões por ano.
De acordo com os números da
entidade, a ampliação do limite de isenção do IR deixará isentos da
cobrança do imposto 30 milhões de contribuintes.
Atualmente, cerca de 43 milhões
de pessoas físicas declaram o Imposto de Renda. Entretanto, destas, 14,6
milhões já são isentos. Com a mudança, outros 16 milhões de contribuintes
também não pagarão Imposto de Renda.
De olho do impacto das medidas
nas contas públicas, o mercado financeiro reagiu de forma negativa nesta
quarta.
O dólar disparou e fechou cotado
a R$ 5,91, a maior cotação já registrada desde a implementação do Plano Real,
em 1994.
A preocupação do mercado continua
sendo o aumento de despesas, que tende a impulsionar ainda mais a dívida
pública - já considerada elevada para o padrão dos países emergentes.
Essa tensão, por sua vez, também
pressiona os juros futuros, com impacto nas taxas cobradas pelos bancos do
setor produtivo.
A explicação é que a confirmação
do aumento da faixa da isenção do IR pegou o mercado no contrapé, em um momento
no qual analistas aguardavam a conclusão do pacote de cortes de gastos.
Taxação de ricos
O ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, estimou o impacto da isenção de até R$ 5 mil em R$ 35 bilhões por ano.
Mas acrescentou que o valor será
integralmente compensado pela tributação dos mais ricos, ou seja, com
impacto nulo nas contas públicas.
A proposta do governo é de instituir
uma alíquota de 10% para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês, o equivalente a
R$ 600 mil por ano.
Além disso, quer limitar as
deduções na área de saúde no IR para quem
"Se eu [que recebo mais de
R$ 50 mil por mês, ou R$ 600 mil por ano] paguei R$ 35 mil de IR. Vou ter que
recolher R$ 25 mil para completar R$ 60 mil [equivalentes à alíquota de 10%].
Suponha que ela ganhe R$ 600 mil e pagou R$ 80 mil de IR, ela não é atingida
pela medida. É um conceito novo de IR mínimo considerando toda renda da pessoa,
e tudo o que pagou de IR naquele exercício", explicou o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad.
Aposentadoria de militares
A equipe econômica fechou nesta
semana, após reuniões com os comandantes das forças armadas, uma proposta para
o ajuste na previdência dos militares.
O texto fechado contempla os
seguintes principais pontos:
acaba com a chamada "morte
ficta": com isso, familiares perdem o direito à pensão de militares
expulsos;
estabelece progressivamente idade
mínima para a reserva remunerada;
extingue a transferência de
pensão;
fixa 3,5% da remuneração para o
fundo de saúde até janeiro de 2026
Segundo informações da proposta
de orçamento de 2025, enviada pelo governo ao Congresso Nacional em agosto
deste ano, o déficit projetado para a inatividade militar soma R$ 33,28 bilhões
em 2025 e R$ 34,87 bilhões em 2026.
Além disso, também está previsto,
no projeto de orçamento do ano que vem, o déficit para as pensões de militares
de R$ 18,05 bilhões, em 2025, e R$ 19,39 bilhões em 2026.
Não foram anunciados bloqueios,
ou cortes, no orçamento do Ministério da Defesa, que é o quinto maior, em
termos de valores, para o ano de 2025.
Orçamento por Ministérios em 2025
(sem contar gastos previdenciários)
Abono salarial
Outra medida proposta é reduzir o
número de pessoas que têm direito ao abono salarial.
Pelas regras atuais, têm direito
por ano trabalhadores que recebem, em média, até dois salários mínimos mensais
(R$ 2.824, pelo valor atual).
Com as mudanças, o benefício será
pago somente a quem recebe até R$ 2.640.
Esse valor será corrigido
anualmente pela inflação, até chegar a 1,5 salário mínimo, quando passará a
ficar estável neste valor. A expectativa é que isso ocorra em 2035.
Para receber, é preciso que o
trabalhador:
tenha trabalhado pelo menos 30
dias no ano anterior;
estejam cadastrados no PIS ou no
Pasep há pelo menos cinco anos.
Despesas com abono salarial
Em R$ bilhões, corrigidos pela
inflação
O benefício é classificado como
um gasto obrigatório – ou seja, que só pode ser alterado ou extinto mediante
Proposta de Emenda Constitucional (PEC).
Projetos desse tipo têm uma
tramitação mais extensa e precisam de mais votos de deputados e senadores para
serem aprovados.
O governo federal estimou, no
projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, que 25,8 milhões de
trabalhadores terão direito a receber o abono salarial no próximo ano.
BPC
Outra proposta do governo é o
endurecimento das regras para as pessoas que recebem o Benefício de Prestação
Continuada (BPC).
Para o BPC, o governo está
propondo focalizar em pessoas incapacitada para a vida independente e para o
trabalho. Passam a contar para o acesso:
a renda do cônjuge e
"companheiro não coabitante"
e renda de irmãos, filhos e
enteados (não apenas solteiros) coabitantes
Será obrigatória a atualização
obrigatória para cadastros desatualizados há mais de 24 meses e para benefícios
concedidos administrativamente sem Código Internacional de Doenças (CID)
Pelas regras, o BPC equivale a um
salário mínimo por mês ao idoso com idade igual ou superior a 65 anos, ou à
pessoa com deficiência de qualquer idade.
Para ter direito ao benefício,
não é preciso ter contribuído para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
Diferente dos benefícios previdenciários, o BPC não paga 13º salário e não
deixa pensão por morte.
No caso da pessoa com
deficiência, tem direito ao BPC se houver impedimentos de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (com efeitos por pelo menos
dois anos), que a impossibilite de participar de forma plena e efetiva na
sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.
Para ter direito ao BPC, é
necessário que a renda por pessoa do grupo familiar seja igual ou menor que 1/4
do salário-mínimo.
Além da renda de acordo com o
requisito estabelecido, as pessoas com deficiência também passam por avaliação
médica e social no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
O beneficiário do BPC, assim como
sua família, deve estar inscrito no Cadastro Único. Isso deve ser feito antes
mesmo de o benefício ser solicitado. Sem isso, ele não pode ter acesso ao BPC.
Bolsa Família
Também haverá um controle maior
sobre o Bolsa Família, programa de transferência de renda do governo federal.
"Estamos reforçando a
fiscalização para garantir que essa versão mais robusta do programa, inaugurada
em 2023, efetivamente chegue em quem mais precisa", informou o governo.
Veja as medidas:
Restrição para municípios com
percentual de famílias unipessoais acima do disposto em regulamento;
Inscrição ou atualização de
unipessoais deve ser feita em domicílio obrigatoriamente;
Atualização obrigatória para
cadastros desatualizados há 24 meses;
Biometria obrigatória para
inscrição e atualização cadastral;
Concessionárias de serviços
públicos deverão disponibilizar informações de seus bancos de dados para
viabilizar cruzamento de informações.
Supersalários de servidores
A equipe econômica também quer
regulamentar a lei que coíbe "supersalários" de servidores públicos
do Executivo, Legislativo e Judiciário, ou seja, impedir o pagamento de valores
que que extrapolam o teto do funcionalismo. O valor máximo hoje é de R$
44.008,52 mensais.
Em 2021, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto que
regulamenta o fim dos chamados "supersalários". O texto retornou ao
Senado, onde aguarda definição.
A proposta em discussão no Congresso define quais pagamentos
poderão extrapolar o teto do funcionalismo. Entre eles, os auxílios para
moradia, alimentação e transporte.
Emendas parlamentares
O governo informou que, pela
proposta, o valor global das emendas parlamentares não poderá crescer mais do
que 2,5% acima da inflação (limite do arcabouço fiscal).
Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, esse é apenas o
cumprimento do acordo firmado entre o governo, Legislativo e pelo Supremo
Tribunal Federal.
Pelas regras, 50% das emendas das comissões passarão a ir
obrigatoriamente para a saúde pública.
E haverá bloqueio de emendas proporcionalmente aos bloqueios do
Poder Executivo, limitado a 15% do total das emendas (R$ 7,5 bilhões em 2025)
Impacto nas contas públicas
A expectativa da área econômica
é de que as medidas propostas, se aprovadas pelo Legislativo, resultarão na
economia de R$ 72 bilhões em 2025 e 2026.
Risco de paralisia da máquina
pública
O governo busca conter gastos
obrigatórios, por meio de propostas de mudanças de leis, que ainda tem de ser
avaliados pelo Congresso Nacional, para tentar manter operante o arcabouço
fiscal, a norma para as contas públicas.
A regra geral do arcabouço prevê
que o aumento de algumas despesas do governo esteja atrelado ao crescimento das
receitas. Além disso, a alta das despesas não pode ser maior do que 2,5%
por ano acima da inflação.
Entretanto, alguns gastos têm
regras específicas (distintas das do arcabouço) e, por isso, têm apresentado
crescimento anual acima dos 2,5% limite para as despesas totais do governo. São
eles:
???? aposentadorias dos trabalhadores (vinculadas
ao salário mínimo)
???? despesas em saúde e educação
???? emendas parlamentares (indexadas à
arrecadação)
A lógica é que, sem o corte de
gastos, o espaço para as despesas livres dos ministérios, conhecidos como
"gastos discricionários", terminará nos próximos anos.
????Entre esses gastos livres, há
políticas públicas importantes, como bolsas de estudo, fiscalização ambiental e
do trabalho, assim como o farmácia popular.
O ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, já admitiu que, no ritmo atual, gastos livres dos ministérios
tendem a sumir: 'Vamos ter de fazer um debate sobre isso'
Por essa lógica, não adianta
elevar a arrecadação, como vem fazendo a equipe econômica, para equilibrar as
contas. É obrigatório, necessariamente, cortar gastos obrigatórios.
A previsão do TCU é que, se nada
for feito, o espaço para essas políticas importantes para a população, acabarão
nos próximos anos, paralisando a máquina pública.
Com o arcabouço fiscal em risco,
podendo ser abandonado, não haveria mais uma regra que controlasse as contas
públicas, o que, por sua vez, elevaria mais a dívida do setor público, que já é
alta para o padrão dos países emergentes.
Isso elevaria ainda mais os juros
futuros, que servem de base para os empréstimos às famílias, para o consumo, e
ao setor privado — e também pressionaria para cima a taxa de câmbio (dólar).
Essa dúvida sobre as contas
públicas, que está sendo chamada pelo mercado financeiro de "risco
fiscal", já está cobrando seu preço, com alta do dólar e dos juros
futuros.
O
próprio Banco Central cita o aumento de gastos em seus comunicados, explicando
que isso também pressiona a inflação.
Segundo
a instituição, a "percepção mais recente dos agentes de mercado sobre o
crescimento dos gastos públicos e a sustentabilidade do arcabouço fiscal
vigente, junto com outros fatores, vem tendo impactos relevantes sobre os
preços de ativos [dólar, juros futuros e bolsa de valores] e as expectativas
[de inflação]".
Jornalista responsável:
Jornalista Adalmir Ferreira da Silva
Registro nº 0042497/RJ
Diretora Executiva:
Joana D’arc Malerbe
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