29/08/2024 | Por: Agência Brasil
Mais de 23 equipes de fiscalização participaram de 130 inspeções em 15 estados e no DF - (Foto: Marcello Casal Jr / Agên)
Durante julho e
agosto de 2024, a Operação Resgate IV retirou 593 trabalhadores de condições de
trabalho escravo contemporâneo. O número é 11,65% maior do que o de resgatados
da operação realizada em 2023. Ao todo, mais de 23 equipes de fiscalização
participaram de 130 inspeções em 15 estados e no Distrito Federal, realizadas
entre os dias 19 de julho e 28 de agosto. A ação conjunta de combate ao
trabalho escravo e tráfico de pessoas no Brasil é resultado do esforço de três
ministérios — Trabalho e Emprego (MTE), Público do Trabalho (MPT) e Público
Federal (MPF) — das polícias Federal (PF) e Rodoviária Federal (PRF) e da
Defensoria Pública da União (DPU).
Os estados com mais
pessoas resgatadas foram Minas Gerais (291), São Paulo (143), Pernambuco (91) e
Distrito Federal (29). Houve resgates em dez estados. Quase 72% do total de
resgatados trabalhavam na agropecuária, outros 17% na indústria e cerca de 11%
no comércio e serviços. Entre as atividades econômicas com maior número de
vítimas na área rural estão o cultivo da cebola (141), da horticultura (82), de
café (76) e de alho (59) e cultivo de batata e cebola (84).
Na área urbana,
destacaram-se os resgates ocorridos na fabricação de álcool (38), administração
de obras (24) e atividade de psicologia e psicanálise (18). Houve inspeção em
dez ambientes domésticos e duas trabalhadoras foram resgatadas. As equipes
flagraram 18 crianças e adolescentes submetidos a trabalho infantil, das quais
16 também estavam sob condições semelhantes à escravidão. As fiscalizações
ocorreram no Amapá, Distrito Federal, Mato Grosso e Minas Gerais.
Alguns casos
chamaram a atenção neste ano, como a ação fiscal realizada no Mato Grosso do
Sul. Para alcançar os locais onde estavam os trabalhadores, a equipe de
fiscalização utilizou transporte terrestre (caminhonete), aéreo (helicóptero) e
fluvial (lanchas). A equipe resgatou 13 paraguaios em dois estabelecimentos
distintos, que realizavam as atividades de carvoejamento e confecção de cercas.
Foram encontradas situações degradantes de trabalho, além de servidão por
dívida.
Em Pernambuco, 18
trabalhadores foram resgatados de uma clínica para dependentes químicos. Eram
pacientes internados que realizavam as atividades laborais compulsoriamente
como parte da internação (atividades administrativas, de portaria, de
vigilância e de alimentação). A clínica contava com 63 internos e não tinha
empregados registrados. Essa fiscalização está em andamento.
Em Minas Gerais,
foram identificados 59 trabalhadores vítimas do crime de redução de
trabalhadores à condição análoga à de escravo, sendo sete mulheres, das quais
quatro menores de idade. Os trabalhadores, em sua maioria migrantes do Maranhão
residentes na região, exerciam a função de colhedores de alho em duas
propriedades rurais. Eles estavam submetidos a condições degradantes de
trabalho e vida.
Uma coletiva de
imprensa realizada nesta quinta-feira, 29 de agosto, apresentou os resultados
de operação conjunta de combate ao trabalho análogo à escravidão no
Brasil. Assista à transmissão:
BALANÇO — André Roston, coordenador geral de Fiscalização para
Erradicação do Trabalho Análogo ao de Escravo e Tráfico de Pessoas (MTE), fez
um balanço das ações de fiscalização realizadas ao longo de agosto de 2024 e
revelou que os trabalhadores já receberam, aproximadamente, R$ 1,91 milhão em
verbas rescisórias, sendo que o total estimado é de R$ 3,46 milhões. O valor
total será maior, pois muitos pagamentos ainda estão em processo de negociação
com os empregadores ou serão judicializados.
Fábio Leal,
subprocurador-geral do Trabalho do MPT, apontou que a Operação Resgate IV
constitui importante marco no esforço interinstitucional de erradicação do
trabalho em condições análogas à escravidão. O MPT, com sua participação,
assegurou direitos coletivos e individuais das trabalhadoras e trabalhadores
resgatados. O defensor público-geral federal Leonardo Magalhães, da DPU,
ressaltou a atuação da Defensoria no estado de São Paulo no resgate de 82
vítimas em Itapeva (SP), sendo 48 mulheres e 34 homens. De acordo com ele, é
comum encontrar lugares insalubres: sem água potável, comida de qualidade e
alojamentos adequados. A DPU assegura o pagamento de verbas trabalhistas,
negocia danos morais individuais, auxilia na regularização de documentos e
busca benefícios assistenciais e previdenciários.
Francisco de Assis
Vieira Sanseverino, subprocurador-geral da República (MPF), declarou que o
Ministério Público integra as ações no intuito de colher as provas a serem
utilizadas no processo penal, "para agilizar a investigação e tornar a
apuração criminal mais efetiva”. O diretor-geral substituto da PRF,
Alberto Raposo, sublinhou a importância de operações conjuntas: “graças à
integração entre as instituições públicas é possível alcançar resultados
positivos mais expressivos”. Em 2022 e 2023, a PRF deu suporte em ações que
ajudaram a resgatar duas mil pessoas da condição de trabalho análogo à
escravidão.
O chefe de Divisão
de Repressão ao Trabalho Forçado, Henrique Oliveira Santos (PF), revela que a
instituição conduz 482 inquéritos policiais em todo o Brasil para investigar
esse crime. Minas Gerais lidera com 86 inquéritos, seguido por São Paulo com
66, e Pará com 47. Trinta e três dessas investigações foram iniciadas durante a
Operação Resgate IV, apenas neste mês de agosto. Em todo o ano foram realizados
12 procedimentos de prisões em flagrantes com um total de 16 pessoas presas.
A Operação Resgate IV é a maior ação
conjunta já realizada no país com a finalidade de combater o trabalho
análogo à escravidão e o tráfico de pessoas integrado pelo MTE, MPT, MPF,
DPU, PF e PRF. O mês da operação é marcado pelo Dia Internacional para a
Memória do Tráfico de Escravos e sua Abolição, instituído em 23 de agosto pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), bem
como pela data de falecimento do abolicionista Luís Gama (24 de agosto de
1882), patrono da abolição da escravidão no Brasil.
RESGATE
DE IDOSOS — Em Mato Grosso houve o
resgate de uma trabalhadora idosa, com 94 anos de idade. É a pessoa mais idosa
a ser resgatada no Brasil. Ela trabalhou por 64 anos sem salário, sem estudar e
sem constituir família. No início da ação fiscal, ela cuidava da patroa, uma
senhora com 90 anos adoecida com Alzheimer. Foi garantido à trabalhadora o
usufruto da casa onde morava, com todas as despesas pagas pela família da
empregadora, incluindo a contratação de cuidador de idoso para ela, além do
recebimento de um salário mínimo por mês.
Em São Paulo,
ocorreu o resgate de uma empregada doméstica, com 52 anos de idade, que foi
retirada de um orfanato quando tinha 11 anos, com tutela provisória concedida à
família, nunca transformada em definitiva. Trabalhava, portanto,
compulsoriamente desde a infância na casa dos exploradores. Relatou que a sua
jornada era de segunda a sábado, das 7h às 21h (e que, aos domingos,
"passava um pano na casa"). Nunca tirou férias e trabalhava durante
os feriados. Recebia R$ 500 por mês, que chamava de "agrado". Desde
que foi para a casa do empregador, ela não mais estudou e nem constituiu
família.
No início da
inspeção fiscal, a trabalhadora doméstica foi encontrada cuidando do casal
empregador, hoje com 95 e 91 anos, respectivamente. Nesse caso, a família se
comprometeu a comprar uma casa para a trabalhadora, além de pagar uma indenização
de R$ 50 mil, a título de dano moral individual. Ainda não estão
consolidados os dados totais das ações fiscais, tendo em vista que há equipes
ainda em campo ou concluindo os resultados das fiscalizações. O que é possível
observar, contudo, é o incremento de denúncias e a identificação de casos de
trabalho escravo doméstico.
No Rio de Janeiro,
em julho, no Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste da cidade, a vítima tinha 59
anos. Ela trabalhava naquela casa de família desde os 13 anos. Havia cuidado do
patrão e, agora, cuidava dos filhos dele. A trabalhadora saiu de Pernambuco e
foi para o Rio de Janeiro há 8 anos. Não recebia salário e não tinha folgas,
permanecendo à disposição da família de forma ininterrupta. A mulher não tinha
conta bancária, não tinha relações pessoais ou sociais, convivia apenas com
pessoas relacionadas aos patrões.
A partir do
primeiro resgate de trabalhadora doméstica ocorrido no Brasil, em 2017, o
número de denúncias vem crescendo. As situações que envolvem a fiscalização, o
resgate e o encaminhamento das vítimas de trabalho escravo doméstico são
complexas e delicadas, pois, em sua quase totalidade, as pessoas exploradas se
encontram naquele contexto há muitos anos.
ESTRANGEIROS — Em agosto, em Anta Gorda (RS), a Operação Resgate IV flagrou quatro trabalhadores argentinos em condições degradantes na extração, corte e carregamento de lenha de eucalipto. Os migrantes estavam sem documentos. A contratação ocorreu sem que houvesse, pelo empregador, a exigência de visto para o trabalho, nem a confecção da carteira de trabalho e previdência social e anotação do contrato de trabalho.
O primeiro
resgatado, de 47 anos, foi encontrado vivendo em um galpão de madeira
improvisado e precário. As outras três vítimas estavam numa casa localizada em uma
propriedade próxima ao local de trabalho, onde não havia água encanada, vaso
sanitário ou chuveiro. Os quatro receberam as verbas rescisórias e já
retornaram para a Argentina.
Jornalista responsável:
Jornalista Adalmir Ferreira da Silva
Registro nº 0042497/RJ
Diretora Executiva:
Joana D’arc Malerbe
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